Entenda como os medos das crianças se desenvolvem com o tempo e como podemos tratar cada situação
Por Fernanda Maranha
O medo, segundo definição da psicologia no dicionário Michaelis da língua portuguesa, é o “estado psíquico provocado pela consciência do perigo, real ou apenas imaginário, ou por ameaça”. Ele existe em qualquer fase da vida, mas já se sabe que o medo das crianças é bastante diferente do medo dos adultos.
Os medos dos pequenos variam de acordo com a idade. Ainda nos bebês, eles começam a surgir e são principalmente relacionados a barulhos. “Uma porta que bate pode gerar um grande medo. O bebê fica com o barulho na cabeça e isso gera uma insegurança”, conta Mônica Pessanha, psicopedagoga e psicanalista de crianças e adolescentes.
Já nos primeiros anos de vida, Mônica explica que o principal temor das crianças passa a ser o de se separar dos pais. É nessa fase que geralmente, as crianças vivem as primeiras experiências de se distanciarem da mãe, que antes passava todo o tempo ao seu lado. Durante esse processo de adaptação, surge a fantasia, do próprio imaginário dos pequenos, de que os pais podem desaparecer e que eles ficarão sozinhos. Este é um caso muito comum quando a criança vai entrar na escolinha. “Na fase de adaptação, a criança costuma chorar muito, há uma ansiedade e uma preocupação de se vai conseguir sobreviver na ausência dos pais”, conta Mônica.
“Em seguida, por volta dos quatro anos de idade, começa a surgir o medo de monstros”, diz a psicopedagoga. Esses temores surgem do desconhecido, de não saber o que está acontecendo e também como uma extensão do medo de ficarem sozinhos. “Quase sempre, no momento em que eles vão dormir e estão de fato sozinhos, estão no escuro. Então uma sombra projetada pela luz no quarto pode ser um monstro”, diz Mônica.
Viviane Rossi, psicóloga especializada em crianças e adolescentes, explica que, até os seis anos, os medos são mais fantasiosos e elenca alguns exemplos: fantasmas, zumbis e palhaços. Segundo a especialista, essa é uma fase comum e tende a passar sem maiores complicações, principalmente se a criança não tem nenhum trauma devido à exposição ao medo: “A exposição desnecessária pode piorar a fase. Quando os adultos não valorizam o medo, acham que é frescura, isso pode acentuá-lo”.
Após a primeira infância, os medos também amadurecem. A partir dos sete ou oito anos, o medo da morte é um dos que pode aparecer, contam as profissionais. Também podem surgir outros temores, de situações mais reais: fenômenos da natureza, ficar sozinho, assaltos ou doenças são alguns dos objetos dos medos nesta terceira fase. “Nessa idade, eles passam a ter uma consciência maior das coisas que podem acontecer com eles”, afirma Viviane. A psicopedagoga e psicanalista explica que os pais precisam acolher o medo dos filhos e sempre mostrar que o local é seguro, de forma amigável.
No caso do medo de criaturas fictícias, é importante legitimar o medo da criança, entrar na brincadeira, mas também deixar claro que não existe perigo algum. “O responsável pode olhar embaixo da cama e dentro do armário, mostrando que não há nada lá”, sugere Mônica, que continua: “Uma ideia interessante é criar o espanta monstros: um borrifador de água com corante para espirrar nos lugares em que o ‘monstro’ poderia estar, quando o medo surgir”.
Outra solução simples é colocar uma pequena lâmpada de tomada, para que o pequeno não fique completamente no escuro e possa enxergar o que acontece ao seu redor com mais facilidade.
Um fator essencial apontado por Mônica na hora de lidar com os medos infantis é a coerência dos pais. Não se pode desdenhar do medo da criança falando que as criaturas fantasiosas não existem na hora que ela for dormir, mas, na hora de almoçar, “ameaçar” com alguma criatura, caso a criança não coma toda a comida, por exemplo. Afinal, ou os monstros existem, ou não existem. Se o pequeno tem medo de andar pela casa sozinho, Mônica tem outra dica: os pais podem comprar um novelo de lã, segurar em uma ponta e dar o novelo para a criança desenrolar quando for ao banheiro sozinha, por exemplo. O adulto pode puxar o fio de vez em quando, assim a criança vai saber que, mesmo não vendo o pai, não está sozinha. Com o passar do tempo, ela não vai mais precisar desse artifício.
Escola
Os pais podem contar com a ajuda da escola para sanar esses problemas. Os educadores podem ter papel especial para lidar com os medos desde as primeiras fases. “É na escola que a criança constrói o laço de segurança na ausência dos pais”, conta Mônica.
Nos medos iniciais, com relação aos pais não reaparecerem, a psicopedagoga salienta que o cuidador da escola deve abrir um diálogo bem sincero com o pequeno, dizendo que os pais vão voltar, mas, enquanto eles não voltam, há oportunidades para a diversão. “O medo paralisa as ações. Se a escola não oferta um lugar divertido, o medo continuará”, explica a especialista.
Criatividade contra o medo
Em relação aos medos que surgem da imaginação das crianças, é possível usar o próprio imaginário para amenizar o que elas sentem. A psicóloga Viviane sugere contar histórias e fazer atividades, como teatrinho, música, ou desenhos: “Proponha para a criança desenhar um monstro bem estranho. Então, brincando com o medo, ela pode começar a rir da própria criatura que antes a amedrontava”, diz.
Quanto aos medos mais reais, Viviane explica que a posição dos pais influencia muito na sensação do filho. Se os pais têm medo de assalto e estão sempre falando disso, podem passar o medo para os pequenos. Isso acontece até mesmo em casos mais simples, como o medo de elevador. “Os medos, inseguranças e excessos de cuidados dos pais podem fazer a criança se tornar insegura e medrosa”, explica a psicóloga.
Caso a criança tenha um medo exacerbado de morrer ou de ser vítima de crimes – como sequestro ou assalto –, a sugestão de Viviane é evitar ouvir esses tipos de notícia no rádio ou televisão. “A personalidade influencia muito. Uma criança pode saber de um caso de crime e nem ligar, outra pode pensar que vai acontecer com ela”, diz Viviane.
Os pais podem tentar ajudar a criança com seus medos durante toda a infância, mas caso o medo apresentado pelo pequeno seja muito intenso, a ponto de gerar sofrimento para ele, é preciso que os pais procurem auxílio profissional. “O limite é o sofrimento e os prejuízos – tanto físicos, quanto sociais – que o medo pode gerar. Um exemplo é se a criança deixa de ir à casa de um amigo por medo dos fantasmas e de dormir sozinho”, alerta Viviane.
Um medo simples, se não tratado desde o início, pode se tornar uma fobia grave na vida adulta. “Às vezes os pais não dão conta de lidar com os medos porque estão envolvidos. É preciso reconhecer isso e buscar ajuda”, salienta a psicóloga. Os medos descritos pelas profissionais duram normalmente até os dez anos de idade da criança. Em caso de persistência da situação, é aconselhado auxílio profissional de um psicólogo para sanar o problema.